quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

"O objetivo da Lei da Palmada é educar, não punir", diz relatora

"O objetivo da Lei da Palmada é educar, não punir", diz relatora Tweet Em entrevista exclusiva a CRESCER, a deputada Teresa Surita conta que os resultados da nova lei vão demorar a aparecer, já que trata de valores humanos Bruna Menegueço Shutterstock Como toda lei que influencia diretamente na família, a Lei da Palmada, que foi aprovada nesta quarta (14) pela Câmera dos Deputados, está gerando polêmica. O projeto prevê que pais que maltratarem os filhos sejam encaminhados ao Programa Oficial de Proteção à Família e a cursos de orientação, tratamento psicológico ou psiquiátrico, além de receber advertência. A criança que sofrer a agressão deverá ser encaminhada a tratamento especializado. As medidas serão aplicadas por um juiz da vara da infância e não há previsão de prisão ou perda de guarda, mas, sim, a possibilidade de multa de 3 a 20 salários mínimos para professores ou médicos que não denunciarem os casos de agressão ao Conselho Tutelar ou a alguma autoridade competente. LEIA TAMBÉM: Lei da Palmada é aprovada na Câmara dos Deputados O texto do projeto de lei foi modificado nesta terça (13) pela relatora Teresa Surita (PMDB-RR) quando parlamentares da bancada evangélica defenderam a substituição, no projeto, da expressão "castigo corporal" por "agressão física". Em entrevista exclusiva à CRESCER, a deputada explica os detalhes do projeto de lei e revela que o principal objetivo não é punir, e sim, educar. CRESCER: Há muita polêmica em relação a necessidade de ter uma lei. Qual é o objetivo dela? DEPUTADA TERESA SURITA: Essa é uma lei educativa. O nosso objetivo maior é a mudança dos valores da sociedade porque o Brasil tem a cultura do bater. Na década de 50, as crianças e adolescentes apanharam muito. Existia a palmatória na escola, o castigo de ajoelhar no milho, que, felizmente, foram se transformando. Hoje, a família não admite que ninguém bata. A babá não pode bater nem a escola, mas os pais querem ter esse direito porque acham que a surra ou a palmada vão educar, mas já está comprovado de que bater não educa. Não existe palmada pedagógica. Quando você agride uma criança, está causando medo, não reflexão, muito menos educação. Se você for em qualquer pronto-socorro ou em delegacias, vai se deparar com casos de violência em crianças. Em casos como esses, os pais agressores serão encaminhados para assistência psicológica e psiquiátrica. C: Já que o objetivo da lei é educar. Por que, então, uma lei e não só uma campanha? D.T.S.: Por vários motivos. Primeiro porque no Estatuto da Criança e do Adolescente não existe a garantia de que a criança vá ser educada sem castigos físicos e tratamento cruel degradante. O Estatuto prevê que a criança seja alimentada, tratada, cuidada, mas em nenhum momento se especifica a questão da violência dessa maneira, inclusive quando a violência está dentro de casa. Outro motivo é porque o Brasil assinou com a Organização das Nações Unidas (ONU), para fazer essa mudança para que as nossas crianças possam ter esse direito e, por fim, porque até hoje não houve nenhuma campanha nesse sentido. C: E não poderia ser uma iniciativa para fazer essa campanha? D.T.S.: Mas para ter a iniciativa e para ter uma campanha permanente, é preciso ter regras. A campanha de trânsito, por exemplo, virou uma campanha permanente quando se tornou lei. Essa preocupação cabe ao Estado porque têm crianças que morrem por maus-tratos e agressão. Mas tudo começa com a palmada. A maioria dos Conselhos Tutelares não dá continuidade para casos de violência. Nós estamos trabalhando na reeducação da sociedade, na mudança de cultura. Vamos falar de Isabella Nardoni, um caso extremo. Quantas vezes, depois que aconteceu o processo, os vizinhos disseram que já haviam escutado gritos, choros e brigas no apartamento. Foram muitos! O caso ficou muito conhecido no Brasil, mas quantos casos existem assim e ninguém sabe? A violência doméstica é uma coisa velada. Não se fala abertamente. Com essa lei, queremos evitar casos mais graves como esses. C: Uma das mudanças foi trocar a expressão "castigo corporal" por "castigo físico". Por quê? D.T.S.: Foi apenas um ajuste do que caberia melhor no texto. Quando chegou do Executivo, a expressão usada era castigo corporal, mas aí se questionou o que é castigo corporal? Se você pede para uma criança ficar quieta refletindo sobre o que ela fez, isso é um castigo corporal. Mas aí fica parecendo que os pais não podem colocar limites e isso é muito importante. Então, pensamos em agressão física, porque aí nos restringimos ao bater. Mas agressão se refere a um tipo forte de violência e castigo remete diretamente à educação. Por isso, decidimos por castigo. Especulou-se que a bancada evangélica estava interferindo, mas isso não aconteceu. O que aconteceu é que eu fiz uma reunião com eles para apresentar o projeto e esclarecer dúvidas, já que estamos mudando comportamento, cultura e valores. C: Como será feita essa fiscalização? Dentro de casa não tem como controlar isso, certo? D.T.S.: Certo. Quando você se torna mãe, você recebe informações sobre as vacinas que seu filho tem que receber, a importância da amamentação etc. Qual é a informação que você recebe sobre educação durante o pré-natal? As campanhas prev e em que a gestante, quando for fazer o pré-natal, possa receber essa informação, além das escolas e dos veículos de informação. Um exemplo é a campanha do cigarro. No maço tem aquelas fotos horríveis, mas você pode fumar se quiser. Não vai ter nenhuma punição, mas sabe o mal que está fazendo a você. Campanhas educativas permanentes serão feitas na caderneta de vacinação e em outros diversos lugares. Essa lei vai, no mínimo, fazer a mãe que foi educada apanhando, pensar. A partir do momento que você abre uma discussão, você começa a mudar os valores. Ninguém está tirando o direito da família. C: Vai ter um número para que a gente possa ligar e avisar se viu uma criança apanhando? D.T.S.: Hoje, sem nenhuma divulgação, um terço das chamadas feitas ao Disque 100, que é para denunciar violência sexual, são para relatar agressão física. Quem vai ficar responsável pelas campanhas é a Secretaria de Direitos Humanos. Durante a campanha, a Secretaria pode instituir um número para que seja denunciado o abuso de violência e acredito que isso vai acontecer. Mas é importante reforçar que esse abuso de violência não será a palmada dentro de casa. Esse abuso de violência que queremos atingir são as crianças que são lançadas pela janela como a Isabella Nardonni, crianças que entram no pronto-socorro com clavículas deslocadas, com lesões nos olhos, fraturas, queimaduras. E não com relação a interferência do que acontece em cada casa. Agora, cada casa vai ter oportunidade de refletir sobre o que está fazendo e decidir mudar ou não. C: Por que os profissionais são obrigados a denunciar? D.T.S.: Na creche, a professora capacitada sabe identificar o comportamento de uma criança que está sendo agredida. Nós temos 34 mil adolescentes entre 12 e 17 anos internados e 113 mil que já cometeram algum tipo de delito. Só que não é só na classe social mais baixa, a violência vem de todas as classes. Seu filho vai sair muito cedo de casa, vai estar nas mãos de outras pessoas e essa garantia de bem estar é importante. C: O que vai ser considerado castigo físico? Colocar uma criança trancada em um quarto escuro, tudo bem? D.T.S.: Tratamentos cruéis, degradantes e humilhantes. Você colocar uma criança em um quarto escuro, trancada o dia inteiro é um tratamento cruel. Agora, colocar a criança no sofá por alguns minutos para refletir sobre a coisa errada que ela fez é diferente. É um processo longo, não é uma coisa que só a lei vai mudar. É preciso que o governo implante, que passe informação para as pessoas e é preciso que a sociedade mude e cobre. C: Você acha que essa lei pode aumentar aquela história de "se você chorar, vai apanhar mais"? D.T.S.: Isso já acontece com frequência. Eu espero que o nosso país se prepare para esse avanço. É difícil para as pessoas entenderem, mas não é diferente de outros. O avanço dos seres humanos é lento porque passamos por uma mudança de valores . Queremos dar para as famílias brasileiras uma condição melhor de relação com os filhos, com mais informação.

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